31 março 2012

Circulando

Descobri no outro dia que moro no distrito onde a taxa de acidentes na estrada é menor.
Num país onde a média de acidentes por cada mil é de apenas cinco, o condado de Wiltshire, um dos maiores em área, apresenta apenas metade desse número: 2,5 por cada 1000 carros na estrada.

Claro que podemos fazer umas contas rápidas e chegar à conclusão de que num país onde estão registados mais de 30 milhões de viaturas, concentradas numa área de 130 395 km2, onde vivem cerca de 60 milhões de pessoas e muitas ovelhas, as seguradoras têm bastante negócio tal como os reboques e bate-chapas.
Para termo de comparação podem usar Portugal que tem 10 milhões de habitantes, numa área de 92 090 km2 e tem cerca de 7 milhões de viaturas registadas. Como dizia o outro: "é só fazer as contas."

Mas aqui as estradas são realmente tranquilas e eu explico porquê, é que confesso que andei intrigado durante algum tempo sobretudo porque esta gente dá nas vistas como sendo incapaz de conduzir como deve ser. Facto agravado por conduzirem do lado errado, obrigando o cérebro a trabalhar com um hemisfério que não foi desenhado para essas funções.

Um colega meu esboçou uma teoria onde tentava enquadrar a observação de que os ingleses conduzem, regra geral, devagar. Sim, cumprem os limites de velocidade, indicados em milhas por hora (mph) num país onde o sistema métrico foi imposto em todo o lado excepto nos sinais de trânsito... o que, claro!, os baralha ainda mais(1).
Dizia esse meu colega que:
" - Eles conduzem devagar porque têm medo que venha de lá alguém a conduzir na mão certa."

Esta é uma teoria bastante válida e que eu já testei, pois já aqui andei na mão certa e a velhinha que ficou a olhar para mim, realmente vinha devagar.
Mas como atrás dela vinha uma enorme fila de trânsito, com malta que parecia estar a desesperar atrás da senhora, que vinha realmente devagar, não considero que os dados recolhidos na experiência sejam completamente representativos.

A minha teoria para o cumprimento do limite de velocidade é mais pragmática e assenta em duas premissas:

     a) eles têm mais obras nas estradas, sobretudo nas auto-estradas, que as câmaras municipais de Portugal quando decidem que têm de abrir valas para passar uns cabos quaisquer;
     b) eles têm plantados nas estradas, sobretudo nas zonas de obras nas auto-estradas, mais sistemas de radar e de câmaras do que eucaliptos em Portugal.

Por isso passar das 70 mph é complicado... eu percebo.

Mas para esta gente tem de ser assim. Têm de se explicar tudinho e definir tudo de maneira a que não haja confusões. Eles já têm de se preocupar com muita coisa quando estão ao volante, a começar por descobrir como engrenar a mudança seguinte com a mão esquerda. Por isso as coisas aqui têm de ser simplificadas.

Se para os italianos o código da estrada é um mero conjunto de indicações genéricas, para os ingleses o código da estrada tem mais peso do que a Magna Carta.
Mas ao contrário desse documento basilar da história deste país, o código da estrada inglês é simples.

Não têm, por exemplo, a regra da prioridade.
Mais uma vez creio que é por eles terem alguma dificuldade com as noções de lateralidade.

No continente tem prioridade quem vem da direita excepto indicação em contrário.
Aqui tem prioridade quem não tem sinal algum que lhe indique o contrário.

Eles assumem que se eles não têm um stop ou um triângulo invertido na frente, que existe um desses sinais na estrada que se cruza com aquela onde circulam e portanto têm prioridade.
Eu confesso que ainda avanço a medo, até porque sendo Português tenho sempre aquela sensação de desconforto que me faz questionar a existência de sinais do outro lado.

O único local onde eles têm uma noção de prioridade é numa rotunda. Quem circula tem prioridade.
Para mim é mais intuitivo do que pensam, pois é só dar prioridade à direita. (Se baralhei alguém peço desculpa).

E claro que como esse local sagrado os ajuda a perceber como usar um cruzamento poupando na sinalização vertical, eles polvilham as estradas de rotundas.
Usam a rotunda como pontuação num texto.
Círculos pintados no asfalto, com 1 ou 2 metros de diâmetro, que se atravessam a direito, até porque não há espaço para serem contornados, mas que definem a ordem de passagem num cruzamento. E é engraçado observar a hesitação destes gentlemen e destas ladies, quando 3 ou mais das suas viaturas se aproximam das mini rotundas ao mesmo tempo... enfim, avanço eu a rir, porque tenho sangue latino e não fico muito tempo a tentar descortinar o bloqueio que se gera.

Os ingleses elevam a arte das rotundas a um nível que faz inveja a qualquer presidente de um qualquer município de Portugal, em particular do de Viseu.
Eles condicionam o trânsito nas rotundas, pintam as faixas na estrada em espiral, encarreirando as viaturas para as saídas correctas a partir do momento em que entram no carrossel.
Mas tem mesmo de ser assim, porque se não lhes disserem como se faz eles não fazem, e fico na dúvida se sabem fazer.

Se eu fosse reaccionário diria que até as rotundas limitam a liberdade de expressão neste país... se eles descobrissem o prazer que dá entrar no Marquês de Pombal, em hora de ponta, descendo da Fontes Pereira de Melo, fazer uma tangente ao calcário do passeio da placa central, e sair para a Braamcamp sem ouvir um apito.

Mas a arte nas rotundas é realmente refinada. Eles fazem rotundas dentro de rotundas. Rotundas grandes com uma rotunda pequena em cada uma das entradas da rotunda maior, fazendo com que na rotunda grande se gire ao contrário das rotundas pequenas...
A mais emblemática destas rotundas está neste distrito, na cidade de Swindon, e tem título de conto de fadas: A Rotunda Mágica - The Magic Roundabout - talvez por isso aqui o número de acidentes ainda seja menor... pudera é preciso andar ainda mais devagar!

The Magic Roundabout

Algumas referências visuais:
Wikipedia: The Magic Roundabout Swindon
Google Maps: The Magic Roundabout Swindon
Google Maps: rotundas pintadas

(1) - Demorei algum tempo para perceber como eles usavam os marcos nas estradas. Nas placas de sinalização indicam números para a distância às terrinhas onde a estrada nos leva e olhando para os marcos a coisa não batia certo... cheguei a colocar em causa se eles sabiam contar.
Mas descobri! As indicações das distâncias estão em milhas os marcos da estrada em quilómetros!
Não deixa de ser irónico: milestones em quilómetros. ;-)

1 Anotação:

Ana anotou...

Gostei do artigo, está engraçado. Não sei se sabe mas por vezes eles complicam nas estradas para manter a atenção dos condutores. Há uma zona perto do hyde Park em Londres que foi feita confusa de propósito.
Eles pensam em tudo e acho muito bem. Portugal podia fazer o mesmo.